O que
revelam e o que escondem os 'Panama Papers': a verdade segundo os grandes meios
de comunicação
Mariela
Pinza, Silvina Romano e Alejandro Fierro | Celag - 06/04/2016 - 12h30
No maior
vazamento de documentos já registrado, são as corporações, fundações, governos,
órgãos internacionais, ONGs e meios de comunicação que elegem o que é mais
conveniente para o público e qual informação é melhor ocultar
No último domingo (03/04) foi
publicada parte dos Panama Papers (Papéis do Panamá), investigação impulsionada
pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung junto com o
ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, na sigla em
inglês, uma rede internacional de jornalistas de investigação com sede em
Washington) e mais de cem empresas de comunicação (entre as quais, estão: The
Guardian, do Reino Unido, Le Monde, da França, Canal 13,
da Argentina, a revista Processo, do México) . O jornal alemão recebeu
de um anônimo 11,5 milhões de documentos, em formato de e-mails e documentos
anexados, que dão conta das operações da empresa de advogados
Mossack Fonseca (gestora de sociedades offshore que opera no Panamá) de 1977 a 2015.
A informação foi analisada
durante um ano por 376 jornalistas de 76 países e oferece provas sobre o desvio
de dinheiro a paraísos fiscais realizados por diferentes lideranças políticas,
esportistas, artistas e empresários de vários países do mundo.
Agência
Efe
Protestos na Islândia, após revelações dos 'Panama Papers', levaram à renúncia
do primeiro-ministro do país
Apesar da valiosa informação
publicada por esse grupo de jornalistas, abre-se uma série de dúvidas. Em
primeiro lugar, se o objetivo era divulgar o modo como as corporações e os
ricos do mundo praticam evasão fiscal para se tornarem mais ricos, é curioso
que tenham oferecido a informação a grandes empresas de mídia. Daí surge outro
questionamento, sobre o “vazamento” da informação. Nos documentos publicados
(que são uma parte ínfima do corpo total) não aparecem, casualmente, empresas
norte-americanas, alemãs, nem do Reino Unido. No entanto, foi dada especial
importância às conexões entre a Mossack Fonseca e o governo russo, comandado
por Vladmir Putin.
As dúvidas começam a se dissipar
quando observamos que um dos organismos que coordenou a investigação é o Center
for Public Integrity, financiado por nada mais nada menos pela Fundação Ford,
Carneghie Endowment, Open Society (de George Soros) e a Fundação Rockefeller.
Ou seja, os representantes mundiais de como funciona a rede global do poder que
inclui: corporações, fundações, governos, órgãos internacionais, ONGs e meios
de comunicação. Eles elegem o que é mais conveniente para o público e qual
informação é melhor ocultar para evitar danos reais ao funcionamento do
sistema.
Panama Papers na Argentina
Entre os clientes desta empresa,
encontram-se o presidente da Argentina, Mauricio Macri, seu irmão e seu pai, o
conhecido empresário Francisco Macri. Os dados mostram que Mauricio Macri
integrou a direção da Fleg Trading Ltda., empresa que está registrada em
Bahamas desde 1998. Essa companhia esteve em exercício até o ano de 2009 como
uma derivação do holding que os Macri tinham tanto na
Argentina, como no Brasil. Nessa época, o atual presidente exercia
funções como prefeito da cidade de Buenos Aires.
Agência
Efe
Em novas
revelações, Mauricio Macri aparece como vice-presidente de outra empresa
offshore, a Kagemusha S.A, registrada no Panamá em 1981 e que possui
capital de US$ 10 mil
O envolvimento deste presidente
(que não é o único) se dá em um contexto particular, já que parte central da
campanha do partido a que Macri pertence esteve caracterizada pelas denúncias
de corrupção do governo de Cristina Kirchner. Diante da notícia multiplicada em
todos os meios de comunicação, não apenas da Argentina, mas do mundo todo, a
presidência emitiu um comunicado justificando a participação do atual
presidente, explicando que é verdade o fato de que ele é membro de uma
sociedade familiar offshore localizada nas Bahamas, porém ele não teve nem tem
participação nos dividendos do capital dessa sociedade. O Escritório
Anticorrupção (OA, na sigla em espanhol), comandado por Laura Alonso, defendeu
esta posição via Twitter avisando: “senhores, constituir sociedade em paraíso
fiscal não constitui delito em si”. Diante deste fato, integrantes de outros
partidos começaram a pedir explicações, é o mínimo que se espera, quando a
descrição dos documentos oferecida pelos jornalistas da investigação assegura
que: “[os documentos] relatam, exemplo após exemplo, as más ações em termos
éticos e legais dos clientes da empresa e oferecem evidência de que esta
empresa estava totalmente disposta a atuar como guardiã dos segredos de seus
clientes, seja porque se tratava de criminosos, membros da máfia, traficantes
de drogas, políticos corruptos ou sonegadores de impostos”.
Post de
Laura Alonso:
Este “escândalo” poderia
desencadear uma nova configuração política, considerando que os jornalistas que
fazem parte do Consórcio são El Clarín e La Nación. No entanto,
fica a suspeita de que talvez eles tenham sido “obrigados” a publicar a
informação pela metodologia da investigação: aparentemente, a informação foi
compartilhada entre todos os jornalistas que participaram da análise. O jornal
alemão usou o programa Nuix para organizar os documentos, o mesmo programa
utilizado pelos jornalistas agrupados pelo ICIJ, subindo os milhões de
documentos para computadores de alta performance.
Dessa forma, pouco podem fazer os jornalistas locais para ocultar a informação
sobre os argentinos envolvidos. Além disso, a Argentina não é o “peixe grande”:
outra coisa é falar dos Estados Unidos, do Reino Unido ou da Alemanha (países
sobre os quais não há informação).
Panamá Papers na Venezuela
Todos os meios de comunicação
publicaram que a Venezuela aparece repetidamente nos documentos. Para ser mais
preciso, 270 mil deles (ou seja, 2%) mencionam a Venezuela, o que corresponde a
um script absolutamente previsível. Era óbvio que iria ser esquadrinhado até o
último detalhe para atribuir ao chavismo a etiqueta de intrinsecamente
corrupto, da mesma forma que o Vaticano sustentou durante décadas que o
marxismo era “intrinsecamente perverso”. O objetivo, para além do que os
vazamentos contêm, é demonstrar que a Revolução Bolivariana não é mais do que
uma corja de ladrões que saqueou os cofres do país. Assim, a realidade e as
boas práticas jornalísticas não poderiam colocar obstáculos na consecução da
meta.
No entanto, uma mera análise
superficial prova a montagem espúria. Nos papéis, aparecem presidentes,
políticos e personalidades de grande importância, como Mauricio Macri; Vladimir
Putin; o ex-primeiro-ministro islandês, Sigmund David Gunnlaugsson; o rei da
Arábia Saudita, Abdullah bin Abdul Aziz Al-Saud; o presidente ucraniano, Petro
Poroshenko; a tia do rei da Espanha, Felipe VI, Pilar de Borbón; o jogador
argentino Leonel Messi; o ex-presidente da UEFA (União das Federações Europeias
de Futebol) Michel Platini e o cineasta espanhol Pedro Almodóvar.
Ao contrário, os nomes
venezuelanos são de pouca relevância (o que não significa que efetivamente
possam ser muito corruptos): Adrián Velasquez, ex-chefe de segurança
governamental e sua esposa, a enfermeira Claudia Díaz; o general Víctor Cruz
Weffer (já julgado por corrupção na Venezuela) e o ex-executivo da companhia
nacional de petróleo PDVSA, Jesús Villanueva. Nem presidentes, nem vice-presidentes,
nem ministros. Nem sequer um deputado ou um governador. No entanto, isto não é
obstáculo para que se coloquem em foco midiático os Panama Papers na Venezuela.
Como já assinalamos para o caso
da Argentina, é interessante destacar quais são os meios de comunicação
venezuelanos que foram encarregados de estudar, classificar e divulgar a
informação. Sem exceção, todos os meios fazem oposição radical, são abertamente
antichavistas e têm uma ética profissional ao menos duvidosa, como qualquer
leitor pode comprovar entrando nos
sites: Runrunes, Armando.info, Efecto
Cocuyo e El Pitazo.
Em termos gerais, pode-se dizer
que: se o objetivo dos Panamá Papers é publicar a verdade de como os ricos se
tornam mais ricos, a forma como operam as grandes empresas vinculadas a
governos, elites locais, fundações etc., deveriam publicar toda a informação,
sem filtros. No caso da Argentina, é nada menos do que um escândalo de um
presidente que chega ao seu posto lutando contra a corrupção à qual ele esteja
vinculado (não importa como). No caso da Venezuela, não existe informação que
implique de forma cabal o atual governo ou a gestão do ex-presidente Hugo
Chávez, porém os meios hegemônicos vão insistir no crescimento do monstro
venezuelano com o apoio incondicional da oposição, que se apressou em destacar
que havia levado o assunto para a Assembleia Nacional.
É claro que os princípios de
liberdade e democracia são (re)definidos em virtude de interesses concretos
vinculados à rede mundial do poder, na qual os meios de comunicação possuem um
papel chave. Além disso, a forma como a informação foi apresentada remete ao
cenário da Guerra Fria. Os “principais” corruptos no plano político são os
russos, os chineses e os governantes do Oriente Médio, além da Venezuela
(alinhada a esse eixo “do mal”). Não aparecem dados sobre os norte-americanos
ou alemães que nos permitam afirmar que a informação está sendo tratada de
forma imparcial, que se pretendem cumprir os objetivos da liberdade de imprensa
e da difusão da informação de todos os dados de forma igual. É curioso, porque
os jornalistas do Panama Papers recebem aplausos, enquanto Julian Assange
continua privado de sua liberdade. É curioso também que se comemore a
publicação de tantos documentos quando o Wikileaks vem publicando material que
compromete seriamente as potências ocidentais, informação que se tornou
invisível pela mesma rede de poder que hoje publica os Panama Papers. Será
preciso ficar atento aos interesses da agência e do conteúdo destes documentos.
Tradução:
Mari-Jô Zilveti
Texto publicado originalmente em espanhol pelo Celag
Texto publicado originalmente em espanhol pelo Celag
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