Opinião: Contra a covid-19, Merkel trava sua última batalha
Sessão
no Bundestag para debater o orçamento deveria servir para a chefe de governo
apresentar um balanço dos 15 anos de sua gestão. Mas a pandemia mudou tudo, e
Merkel mostrou que está lutando, opina Christoph Strack.
Que discurso! Com exigências, súplicas, apelos.
A chanceler federal Angela Merkel instou no Bundestag, mais do que nunca, por
uma política
mais rígida na luta contra a pandemia do coronavírus. Ela quase foi
sarcástica: se as pessoas "tiverem contatos demais agora, antes do
Natal, e esta vier a se tornar a última celebração com os avós, então
certamente teremos errado em algo. Isso é algo que não devemos fazer".
A
última festa porque matou os avós, depois que filhos e netos levaram a eles não
só presentes e amor, mas também o vírus. Merkel citou o número de mortes por
coronavírus oficialmente registrado na Alemanha naquela manhã, 590 em 24 horas,
um triste
recorde. E ela se posicionou de forma decidida em apoio às recomendações
da Academia Nacional de Ciências Leopoldina e de outros especialistas, que aconselharam
a implementação de mais restrições na Alemanha antes do Natal e na virada do
ano: as escolas devem ser fechadas; deve haver um mínimo possível, de
preferência nenhum contato social fora da família; e disciplina, mais
disciplina do que até agora.
Clima de despedida
Na
verdade, isso é uma extrapolação, já que os governadores são soberanos, e os
detalhes das medidas restritivas contra a pandemia são regulados pelos estados
federais na Alemanha. Assim luta a outrora tão fria chanceler no Bundestag, com
toda sua autoridade, contra a pandemia e por aqueles que são ameaçados por
pertencerem a um grupo de risco. Depois, foram ouvidos longos aplausos dos
assentos da bancada conservadora. Talvez um ou outro tenha ficado pasmo com a
chanceler, que já proferiu centenas de discursos no plenário e agora só deve
aparecer mais meia dúzia de vezes para discursar.
Já
há algo como um clima de despedida no ar. Como chanceler federal alemã, Angela
Merkel explicou, defendeu, promoveu e ajudou a decidir o orçamento federal 16
vezes na sessão plenária do Bundestag. Nesta quarta-feira, ela fez o último
desses discursos. Basicamente, apenas os oradores do partido populista de
direita AfD abordam este aspecto: cada um deles comemora à sua maneira o fato
de Merkel não ser mais responsável pelo orçamento do próximo ano. Mas eles
comemoram sozinhos.
Há
vários anos, o que importava no orçamento federal era sempre que ele não fosse
deficitário. Por muito tempo, Merkel fez que suas várias coalizões trabalhassem
nesse sentido e, desde 2014, ela conseguiu anunciar com orgulho: sem novas
dívidas, redução do ônus da dívida, margem de manobra em gradual amplificação.
Mas isso já era. Esse é, segundo o líder da bancada conservadora, Ralf
Brinkhaus, um "orçamento de coronavírus", que sua bancada preferia
que fosse diferente.
Presidência do Conselho da UE
E
não apenas o orçamento federal está indo em uma direção diferente do que Merkel
esperava. Seu tema preferido, a Europa, também está em perigo. A União Europeia
(UE) está rachando e quebrando ainda mais hoje em dia do que era de costume. A
Alemanha ocupa a presidência do Conselho da UE até o final do ano. E então? Na
breve passagem sobre política externa de seu discurso, Merkel abordou a cúpula
da UE que ocorre nesta quinta-feira e todos as suas incertezas.
"Quase tudo ainda está fluindo", diz ela.
Como
funcionará o Brexit, a saída do Reino Unido do mercado interno da UE no final
do ano, é algo que ainda está em aberto. Como será o orçamento da UE nos
próximos anos, também é algo em aberto, por causa da oposição
da Polônia e da Hungria. O conflito ameaça abalar profundamente a UE. Porque a
política está se reorganizando globalmente, com a China se tornando cada vez
mais forte, com a Rússia como um novamente previsível oponente, com os EUA como
um aliado temporariamente imprevisível, com a Turquia como o parceiro alienado
da Europa. Nada disso é algo que a presidência alemã do Conselho da UE ainda
consegue superar.
Rodada final
Como
seria bom para a chefe de governo alemã se a Chancelaria Federal pudesse
ter escrito um discurso de uma campanha pré-eleitoral que já começou, com a
qual Merkel poderia ter celebrado o superávit do orçamento e a crescente margem
de manobra para investimentos e pudesse celebrar um saldo positivo também na
presidência do Conselho Europeu. Mas não é assim. Sequer sabemos ainda quem vai
liderar o seu partido, a CDU, daqui a pouco mais de um mês.
No
entanto, o modo como a líder de 66 anos se apresentou, com empatia, emoção e –
quando uma das mulheres da AfD, Beatrix von Storch, gritava de novo num
Parlamento agora silencioso – também com pathos, mostrava que ela
está lutando. Merkel está lutando contra a pandemia e simbolicamente pela vida
de milhares de idosos. Ela está lutando pelo futuro deste país. Ela luta
porque, além da difícil rodada de primeiros-ministros, ela também quer
convencer o povo do país que ainda passa na barraca de vinho quente para bater
um papo e socializar. Que bela rodada final.
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