Acordo
Brasil-EUA sobre Base de Alcântara é de interesse real dos brasileiros?
A Câmara dos Deputados aprovou
recentemente o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas entre Brasil e EUA, para uso
do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, parceria que divide opiniões
sobre os benefícios reais para os brasileiros.
O documento, que passou pelo plenário da Câmara
na última semana e, agora, está em tramitação no Senado, permite que a área em
questão, considerada privilegiada por sua posição geográfica, seja usada pelos
Estados Unidos para lançamento de foguetes e satélites. Em troca, o Brasil
receberá recursos para investir no desenvolvimento e no aperfeiçoamento do
Programa Espacial Brasileiro.
Essa parceria com os
norte-americanos vinha sendo tentada há anos, por diferentes governos, mas só
foi concluída neste ano, pelo presidente Jair Bolsonaro e seu homólogo do
norte, Donald Trump. Ela contém cláusulas para proteger a tecnologia
americana de lançamento de foguetes e normas para a circulação e uso da base
pelos técnicos brasileiros, temas que têm sido fonte de um interminável debate
sobre nacionalismo e soberania entre políticos e especialistas do Brasil.
O engenheiro Carlos Moura,
presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), explica que esse acordo de
salvaguardas, como o nome sugere, "visa, essencialmente, as questões de
propriedade intelectual e propriedade industrial". Em entrevista à Sputnik
Brasil, ele argumenta que esse tipo de prática é extremamente comum e
necessária em parcerias como essa, por envolverem muito dinheiro e também
segredos.
"A área espacial demanda
investimentos muito altos e envolve tecnologias sensíveis. E, por isso, os
países que dominam essas tecnologias não querem que elas sejam passadas para
pessoas que não estejam autorizadas ou países não autorizados. Então, os
Estados Unidos, que é um país líder no setor espacial, é muito cioso do que
pode acontecer com as tecnologias que eles desenvolveram", afirma.
Segundo Moura, atualmente, os EUA
dominam, aproximadamente, 80% do mercado de produtos espaciais. E, com a
assinatura desse tipo de acordo, eles buscam ter a certeza de que tecnologias
que serão utilizadas fora do país não ficarão sujeitas a algum tipo de pirataria ou
desvio de finalidade.
O engenheiro sublinha que,
independentemente dessas salvaguardas, o Brasil, em nenhum momento, deixará de
ter soberania sobre suas instalações no Maranhão, já que se trata de parte do
território brasileiro. No entanto, por força do contrato, será preciso, sim,
respeitar determinadas limitações de acesso previstas, de maneira a respeitar
os termos ligados à propriedade intelectual e industrial.
"O que acontece e está previsto nesse acordo de salvaguardas é que,
naqueles ambientes onde for preparada alguma coisa, ou um satélite ou um
veículo lançador, e que ali exista uma tecnologia que seja de conhecimento
restrito, só terão acesso a essa sala, esse pátio ou torre de lançamento as
pessoas devidamente credenciadas para aquilo."
Para o advogado José Montserrat
Filho, especialista em direito aeronáutico e espacial e ex-chefe da Assessoria
de Cooperação Internacional da AEB, embora um acordo desse tipo fosse
necessário, os seus termos indicam que o Brasil está, de certa maneira, se
"curvando aos interesses americanos".
De acordo com ele, o documento
assinado entre Washington e Brasília limita o acesso brasileiro a determinadas
tecnologias importantes para a atividade espacial. E há dúvidas sobre como se
darão as dinâmicas de trabalho quando a base estiver funcionando a todo vapor.
"Estará o Brasil inteiramente à vontade para cuidar dos seus
interesses ou terá limitações nesse trabalho?", questiona ele também em
entrevista à Sputnik. "Os americanos não costumam abrir as portas das suas
instalações, para as suas tecnologias sobretudo. De maneira que a gente não
sabe exatamente como é que tudo isso vai ser praticado."
Montserrat Filho lembra que as
restrições impostas aos brasileiros nesse acordo em questão já estavam
presentes no acordo firmado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso no
início do século. A diferença é que, agora, os termos foram
"suavizados".
"Eles tentaram fazer isso no primeiro acordo, muito claramente.
Agora, parece que deram uma suavizada no texto. Mas não temos certeza se a
gente conta com total liberdade de ação nesse caso", comenta ele sobre a
questão da soberania, afirmando não ser possível precisar se o fato de a base
estar em território brasileiro contará mais do que as vontades dos
norte-americanos.
Outro problema levantado pelo
especialista diz respeito à possibilidade de outros países fazerem uso
da base de Alcântara, o que, em tese, poderia ser vantajoso para o Brasil tanto
em termos econômicos como tecnológicos.
"Juridicamente falando, não
sei se isso é possível", afirma o advogado, explicando que o fato de os
EUA serem donos de boa parte das tecnologias a serem empregadas no local e de
outras já empregadas no setor pode representar um entrave. "Sem contar com
a concordância dos Estados Unidos, eu não sei se isso vai ser
possível."
https://br.sputniknews.com/opiniao/2019103014711546-acordo-brasil-eua-sobre-base-de-alcantara-e-de-interesse-real
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